Posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - SBEM sobre o uso e abuso de implantes de gestrinona no Brasil.
Gestrinona é um hormônio esteroide progestágeno sintético derivado da 19- nortestosterona que possui propriedades androgênicas, antiestrogênicas e antiprogestogênica. Outra ação dela é inibir a liberação de gonadotrofinas pela hipófise.1
A gestrinona começou a ser estudada para tratamento da endometriose por via oral no final dos anos 70. O registro da gestrinona via oral para essa finalidade na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi feito em 1996 (Registro ANVISA nº 1112402040010 - GESTRINONA). Entretanto, não existem estudos de segurança e eficácia da gestrinona para tratamento de endometriose por uso parenteral, particularmente, por meio de implantes.1,2
A gestrinona também é um hormônio com ações anabolizantes e, por isso, está na lista de substâncias proibidas no esporte da World Anti-Doping Agency (WADA). Por seus possíveis efeitos androgênicos (como diminuição de massa gorda, aumento de massa muscular, aumento de libido), a gestrinona têm sido usada erroneamente por mulheres na busca de melhora da performance física e estética. Como atualmente não existe produção de gestrinona oral pela indústria farmacêutica no Brasil, o uso abusivo de gestrinona tem sido feito por meio de implantes hormonais (isolada ou associada a outros hormônios).3
Medicamentos contendo substâncias anabolizantes são sujeitos ao controle especial no Brasil. Atualmente existem 28 fármacos que compõem a Lista C5 da Portaria SVS/MS nº 344/1998. A dispensação em farmácias requer Receita de Controle Especial (RCE) em duas vias. E diferente de outras prescrições, essa receita médica deve conter o CPF do prescritor e o CID da doença do paciente. Entretanto, apesar do efeito anabolizante da gestrinona ser reconhecido internacionalmente (lista proibida da WADA), ela não está na atual Lista C5 de anabolizantes da ANVISA.3,4
Vale a pena ressaltar que a indicação de uso de derivados androgênicos em mulheres (incluindo a testosterona) é restrita a poucas situações, como o transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) em mulheres na pós-menopausa. Não existe indicação médica formal de uso de testosterona e outros derivados androgênicos (incluindo a gestrinona) para mulheres na pré-menopausa com TDSH.5,6
No Brasil, a utilização de implantes hormonais utilizando esteroides sexuais e seus derivados aumenta de forma avassaladora. Por serem apresentações customizáveis, existe um real risco de superdosagem e de subdosagem. Os relatos de efeitos adversos associados ao uso de implantes de gestrinona e outros hormônios androgênicos em mulheres aumentam a cada dia: acne, aumento de oleosidade de pele, queda de cabelo, aumento de pelos, mudança de timbre da voz, clitoromegalia. Outro ponto importante é a falta de rótulo e de bula completa destes implantes, deixando a paciente sem as devidas informações básicas sobre indicações aprovadas pela agência regulatória, posologia, interações medicamentosas, estudos de segurança e eficácia e efeitos adversos. O Bulário Eletrônico da ANVISA tem como objetivo facilitar o acesso rápido e gratuito pela população e profissional de saúde às bases de dados das bulas de medicamentos. Nesse momento, a gestrinona não se encontra no bulário eletrônico da agência.7,8
Recentemente, pesquisadores norte-americanos demonstraram que mulheres que utilizavam implantes hormonais tiveram uma incidência significativamente maior de efeitos colaterais do que aquelas que utilizavam hormônios aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) e comercializados nas farmácias alopáticas, bem como apresentaram níveis supra fisiológicos significativamente mais altos de estradiol e testosterona durante o tratamento. É mais uma prova cabal dos riscos do uso de implantes hormonais customizáveis e da busca do seu efeito anabolizante.9
Implante de gestrinona não é uma opção terapêutica reconhecida e recomendada pela Endocrine Society (Sociedade de Endocrinologia Americana), pela North American Menopause Society (Sociedade Americana de Menopausa – NAMS) e pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). A justificativa é por não estar de acordo com a padronização de medicamentos hormonais, por não ter aprovação de uso pelas diferentes agências regulatórias em diversos países e, principalmente, por não existirem evidências científicas de qualidade referentes à eficácia e segurança dos implantes de gestrinona.10-14
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) vem a público informar que também não reconhece os implantes de gestrinona como uma opção terapêutica para tratamento de endometriose, rechaça veementemente o seu uso como anabolizante para fins estéticos e de aumento de desempenho físico, e conclama as autoridades regulatórias para incluir a gestrinona na lista C5 e aumentar a fiscalização do uso inadequado destes implantes hormonais no nosso país.
Fonte: SBEM